O nosso Misha
Por Fernando de Barros e Silva na Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Os que já rondam a casa dos 40 devem se lembrar do urso Misha, o mais simpático dos mascotes da história olímpica. Ganhou o mundo em 1980, em Moscou, e foi eternizado na imagem em que aparecia vertendo lágrimas de adeus, na coreografia de encerramento dos jogos, no estádio Lênin.
Sim, eram outros tempos, ainda existia comunismo e Guerra Fria. Os EUA lideraram o boicote de 61 países à festa em solo soviético. Mas Misha sobreviveu ao regime caduco cuja grandeza deveria simbolizar. Por ironia, o sucesso fez do ursinho comunista um precursor do consumo associado aos eventos esportivos, um ícone de vanguarda da colonização do esporte pelo dinheiro. Hoje, a fofura estaria sendo disputada a tapa pelas marcas globais.
Lula é o Misha dos novos tempos. A comunidade internacional está encantada com seu mascote. Quando o mundo capitalista busca um rosto humano, Lula lhe oferece um espelho possível. A imagem guarda relação tênue com a vida real no país, mas quem se importa?
A elite financeira aplaude nossas políticas comportadas. E Lula retribui com o show da informalidade brasileira, uma vantagem comparativa. Sim, somos confiáveis. Mas também sentimentais e efusivos. Choramos espontaneamente, sem truques coreográficos. E debochamos do nosso próprio êxito: "Yes, we créu!". Não há quem resista.
Ao longo do período de declínio histórico do Rio, o país cultivou uma certa "poesia da favela", procurando transformar tragédia social em atração turística. O excesso de pó, munição pesada e balas perdidas turvou essa aquarela.
Lula agora promete converter os morros cariocas em bairros, com casas de alvenaria. Oxalá! E drogas, como diz a canção, só se compravam na drogaria...
Veremos, daqui em diante, tomar corpo a versão olímpica do mito nativo do futebol como veículo mágico de ascensão social.
Sob os braços abertos do Cristo Redentor, só o esporte salva.
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